sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

TCC - Psicologia - O homem e a morte


O homem e a morte – Luto e reflexão


Ana Maria de Oliveira Vilioni

Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência parcial a obtenção do título de graduação em Psicologia da União das Faculdades Francanas – UNIFRAN.

Franca -1992
“...Descobri que estar vivo envolve riscos, significa compromisso com a vida.
Tudo isso traz mudanças e para mim o  processo de mudança é a vida.” Carl Rogers

Orientadora: Sira Napolitano

Dedicatória:
Aqueles que me seguem de longe e de perto:
Chaves celestiais do meu destino;
Não me relegaram à fúria da tempestade.

Áqueles que me seguem
Com o carinho das afeições indestrutíveis que

O tempo somente consegue fortalecer e reavivar.
À memória de meus pais.

A todos que me apoiaram na elaboração deste trabalho,
Meu especial agradecimento:
Psicóloga – Professora Sira Napolitano, orientadora e amiga;

Dr. Clésio Dante da Silveira, delegado do 2º distrito de Franca;
Edna e Ulda, professoras e amigas incentivadoras;
José Antônio e Áurea, revisores da Gramática e redação.

A minha família, sustentáculo valioso que, com carinho, ajuda-me a vencer na jornada estudantil.

Ao meu querido esposo Antonio Roberto e sogra D. Filomena.


I – Introdução
Vários foram os motivos que me levaram a abordar a questão da morte como tema deste Trabalho de Conclusão de Curso.
Minhas reflexões mais profundas sobre esta questão aconteceram inicialmente quando de experiências vividas junto a hansenianos, idosos e pacientes psiquiátricos.
Comecei a prestar atenção no comportamento das pessoas diante do fenômeno morte e observei o quanto de conflitos existia nessa relação.
O aparecimento da “peste do século” – AIDS – aumentou meu interesse nesta pesquisa e a partir da analise de vasta bibliografia sobre o morrer, iniciei meu projeto. Os livros “ Aids – O Desafio Final” e “Sobre a Morte e o Morrer”, de autoria da pesquisadora Elisabeth Kubler Ross, serviram como material básico  na elaboração deste. Em uma dessas obras lidas consta o assunto central de meu trabalho – As cinco Fases da Morte e do Morrer: Negação e Isolamento, Raiva, Barganha, Depressão e Aceitação.
A intenção ao explorar o tema, foi a de enriquecer meus alicerces profissionais e humanos.
Durante o desenvolvimento da pesquisa fui sendo, pouco a pouco, levada a acreditar que toda perda envolve uma situação de luto e uma “morte psicológica”, Convido então, os leitores a refletirem comigo sobre esta experiência.
Inicio este trabalho relatando alguns conceitos e experiências de luto de personagens significativas na história da humanidade e aproveito para apresentar a questão da morte dentro da visão de várias doutrinas religiosas.
Nas duas parte subseqüentes abordo o tema sob uma perspectiva e traço comentários gerais sobre as cinco fases da morte e do morrer para seguir exemplificar as fases já citadas, através da pesquisa de campo com estudantes e um jvem presidiário traficante viciado e portador do vírus da AIDS.

II- DESENVOLVIMENTO
1-     Conceitos de Luto
Luto – (Trauer; Mourning). Segundo Freud (1916), é a reação à perda de objeto ou pessoa. Como afeto, o luto aproxima-se do humor depressivo; como processo, diz ele, inclui repressão da expectativa de presença do objeto, em todas as situações em que este não pode mais aparecer. Diminui o luto na medida em que tais repressões têm êxito. A perda foi superada quando o objeto não é mais esperado involuntariamente, e quando sua imagem ( ou idéia e lembrança) já não provoca o efeito de luto, nenhuma lágrima.
Pesquisando a vida de alguns homens importantes relato algumas experiências para exemplificar este conceito.
“O luto profundo, a reação à perda de alguém que se ama, encerra o mesmo estado de espírito penoso, a mesma perda de interesse pelo mundo externo – na medida em que este não evoca esse alguém, a mesma perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor ( o que significa substituí-lo) e o mesmo afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre ele.
É fácil constatar que essa inibição e circunscrição do ego é expressão de uma exclusiva devoção que nada deixa a outros propósitos ou a outros interesses”. (Freud).
“ Somos totalmente responsáveis por nossa vida” (Jean Paul Sartre)
Jean Paul Sartre, era apenas um soldado, um daqueles milhões de indivíduos mal barbeados, arrastando um grande fuzil em meio à neblina e ao frio. Observou e anotou tudo que se passava no cenário da 2ª Guerra Mundial, fazendo desse material um diário que segundo ele mesmo, foi um período decisivo para a “modificação” de sua visão de mundo”.
        

“Levo comigo a frustração dos sonhos de amoroso, as ambições de soldados, as comodidades de funcionário e também, em certa medida, os trilhões de poeta”. (Luis Vaz de Camões)
Luís de Camões por sua vivência condicionou ser ainda hoje o portam mais vivo de Portugal. De Coimbra, para Lisboa e depois o Oriente, eis o percurso de sua vida.
“Não é mais sábio esquecer a realidade e refugiar-se no sonho?” (Tchaikovsky)
Sua vida foi um tormento, com poucos momentos de tranqüilidade. Expressava sempre o seu desejo de morrer; mais de uma vez tentou o suicídio.
Desde a infância revelou seus dotes musicais e para TCHAIKOVSKY o canto e a música eram um amor miraculoso.
“... Aos 36 anos desci ao ponto mais débil da minha vitalidade: vivia sem enxergar um palmo diante de mim”. (Frederic Nietzsche)
Para Frederic Nietzsche sua debilidade, o tempo de sua moléstia foi um energético incitamento para viver mais intensamente. Conta em suas memórias que descobriu novamente a vida, descobriu ele mesmo. Passou a saborear as cosias pequenas. E tudo isso por sua própria vontade ser ser “são”.
 “Quis estudar engenharia não pude, tive um projeto de ser Arquiteto não consegui. Tudo que tive foi uma vide de não.” (Manoel Bandeira)
Quando em 1917 Manoel Bandeira publicou “ As cinzas das horas” considerou “simples queixumes de um doente desenganado”. A opção de ser poeta veio de uma frustração, visto ser o sonho primeiro seguir as Ciências exatas. Teve que renunciar a este sonho pela tuberculose que o fez estar afastado do Brasil por alguns anos em busca de melhoras.
         “Aprendi com ela a arte de fazer dar à luz boas idéias no ânimo dos jovens, exatamente como ela fazia partir os filhos aos corpos das mulheres”. (Sócrates)
Uma analogia que o grande Sócrates fazia em relação à figura de sua mãe. Fenarete, genitora do ilustre sofista da Grécia antiga, era de origem humilde e exercia a profissão de parteira. Essas idéias, nasceram então de suas lições e doutrinas a respeito da natureza, a origem dos astros e da terra.
Olhando para a experiência de cada um, observamos que alem de terem em comum o fato de serem pessoas dotadas de capacidade retórica, existe uma particularidade entre elas; que os fazem “Homens vulgares”. Essa particularidade seria a dor, o luto, a frustração, o desprazer que remete o ser humano a modificar suas ações e repensar a vida, os valores e a cultura. Com isso temos que, quando estamos em uma experiência de sofrimento e dos possuímos uma necessidade de investir energia, de canalizar essa energia para o meio externo; e o fazemos de forma que esse investimento nos traga prazer e satisfação.

1.1             O luto na visão das diversas doutrinas
Visão Católica da Morte

O MISTÉRIO DA MORTE
Não queremos que ignoreis coisa alguma
a respeito dos mortos, para não vos
entristecerdes como os outros que não tem esperança.
Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou,
assim também devemos crer que Deus levará,
 por Jesus, e com Jesus os que morrem nele
 ( Ts 4, 13-14).

“Diante da morte, o enigma da condição humana atinge seu ponto alto. O homem não se aflige somente com a dor e a progressiva dissolução do corpo, mas também, e muito mais, com o temor da destruição perpétua. Mas é por uma intuição acertada do seu coração que afasta com horror e repele a ruína total e a morte definitiva de sua pessoa. A semente de eternidade que leva dentro de si, irredutível à só matéria, insurge-se contra a morte. Todas as conquistas de técnica, ainda que utilíssimas, não conseguem acalmar a angústia do homem. Pois a longevidade, que a biologia lhe consegue não satisfaz o desejo de viver sempre mais que existe inelutavelmente em seu coração.
Enquanto toda a imaginação fracassa diante da morte, a Igreja contudo, instruída pela revelação divina, afirma que o homem foi criado por Deus, para um fim feliz, além dos limites da miséria terrestres. Mais ainda: Ensina a fé cristã que a morte corporal da qual o homem seria subtraído se não tivesse pecado, será vencida um dia, quando a salvação perdida pela culpa do homem lhe foi restituída por seu onipotente e misericordioso Salvador. Pois Deus chamou e chama o homem para que ele, com sua natureza inteira, dê sua adesão a Deus na comunhão perpétua da incorruptível vida divina. Cristo conseguiu esta vitória por sua morte, libertando o homem da morte e ressuscitando- o para a vida. Para qualquer homem que reflete, apresentada com argumentos sólidos, a fé dá-lhe resposta à sua angústia sobre a sorte futura. Ao mesmo tempo oferece a possibilidade de comunicar-se em Cristo com os irmãos queridos já arrebatados pela morte trazendo a esperança de que eles já tenham alcançado a verdadeira vida junto de Deus.
Tal e tamanho é o mistério do homem pela revelação cristã brilha para os fiéis. Por Cristo e em Cristo, portanto, ilumina-se o enigma da dor e da morte, que fora de seu evangelho nos esmaga. Cristo ressuscitou. Com sua morte destruiu a morte e concedeu-nos a vida, para que, filhos no Filho, clamemos no Espírito: “Abba”, Pai!
                                                        Gaudium et Spes, 18 e 22
                                                        Frei Sérgio

Visão Espírita da Morte

“A doutrina Espírita consagra o postulado da imortalidade, segundo o qual, todos somos espíritos vivendo, momentaneamente num corpo que nos serve de veiculo de manifestação na face da Terra. Assim, a Doutrina Espírita é Espiritualista, porquanto acredita na imortalidade da Alma. Para o Espiritismo, afinal, a vida verdadeira, a vida casual, é a vida espiritual, de onde viemos e para onde retornaremos pelo chamado transe da morte.
Dessa forma, a morte para o Espiritismo é um acontecimento natural na vida de todos que se encontram encarnados.
Morrer, pois, nada mais é do que retornar à vida verdadeira.
Não devemos, por isso, encarar a morte com uma fatalidade , um acontecimento tenebroso, uma desgraça.
Morrer, todos vamos morrer. O que importa considerar é como estaremos no momento da nossa morte. Isto é, como estaremos espiritualmente no momento que tivermos de partir para a viagem de retorno à pátria verdadeira.
Nesse momento, só vale a nossa condição evolutiva. O bem que houvermos praticado será nossa defesa, ao passo que os nossos deslizes serão agravantes que teremos de enfrentar.
Assim considerando não estamos encorajando a busca da morte, nem fazendo apologia do sofrimento. Queremos dizer, isto sim que não devemos nos apegar demasiadamente à vida material, passageira e que serve, principalmente , de preparo para a vida maior.
Encerrando, vamos ouvir o poeta Castro Alves, pela psicografia de Chico Xavier, quando diz:
“Se, às vezes, se te afigura
Que sou foice impiedosa,
Horrenda, fria, orgulhosa,
Que despedaça os teus heróis.
Verás que sou a mão tenra,
Que rasga abismos profundos,
E mostra bilhões de mundos
E mostra bilhões de sóis.”
                                                                                     Felipe Salomão



Visão Metodista da Morte
“Cremos que a vida além é uma decisão da pessoa neta vida, na qual é decidido para onde iremos após a morte. Cremos que o homem é pecador e está destituído de Deus (Romanos 3, 23 e 6, 23 ), e que tudo isto começou com a queda de Adão, e que só é mudada a condição de pecador do homem a partir do momento que ele, pela fé, aceita Jesus no seu coração como Senhor e Salvador (Efésio 2.8; João 1.10-12). Cremos que a encarnação de Cristo, que em um determinado momento da humanidade se fez carne para salvar o ser humano, não importando sua condição física ou social. A partir de Aceitar pela fé a Jesus Cristo, o homem Nasce de Novo e é feito uma Nova Criatura, deixa de estar na condição de pecado, e passa a ser Filho de Deus ( João 3,1-8; II Coríntios 5.17), tudo isto é uma opção pessoa que o homem faz pela fé em Jesus Cristo.  Após a morte cremos que o homem (alma ou espírito), ficará esperando no paraíso (3º céu) que é o lugar onde o homem espera a Ressurreição dos mortos (II Coríntios 5.1; 12.1-6). Neste lugar o homem está consciente (Lucas 16.19-31), espera que Cristo volte e arrebate a Igreja, neste arrebatamento ou volta de Jesus, aqueles que morrerem em Cristo Ressucitarão primeiro, e reinarão com Cristo (Mateus 27. 51-52; I Tessalonis. 4.16-17; Apocalipse 20. 4-6) Portanto a nossa esperança está na Volta do Senhor Jesus Cristo.”
                                                        Revº Paulo César Rosa de Oliveira
A importância de uma vida digna e honesta permeia grande parte das doutrinas religiosas, exigindo do homem um postura rígida em relação às suas atitudes, físicas, morais e psicológicas.
A crença de que o homem é imortal e caminha rumo a eternidade mobiliza a necessidade de se preparar para o encontro com o eterno.

2-     Breve Histórico da atitude do homem diante da morte e do morrer
Numa retrospectiva histórica, percebe-se que a concepção do fenômeno morte pelo homem ocidental tem sido elaborada através de um processo lento e quase imperceptível de modificações que acontecem devido a necessidade natural de adaptação.
     A antiguidade pagã, bem como os povos egípcios, gregos, caldeus e hititas temiam a volta de seus mortos culpando-os pelos males e pestes. Rituais específicos eram realizados com o intuito de impedir a volta dos mortos, mantendo-os, consequentemente, sempre à distância. Os mortos “habitavam” locais considerados sagrados e Construídos em regiões distantes das cidades.
     Muitas tribos brasilindias compreendem a morte sob o mesmo primas, anteriormente citado, sendo que os brasilíndios da região do nordeste paulista, como povo primitivo pagão, enterravam seus mortos em locais sagrado. Um exemplo próximo de nós é a cidade de Igaçaba que tem seu nome com base nas urnas funerárias indígenas que aí eram depositadas.
     Esses povos acreditavam que a violação do “cemitério” ou do próprio morto acarretaria males terríveis como: a fome, a doença a peste e a loucura. Pensava-se também, que a violação do túmulo provocaria a possessão espiritual de um familiar.
     No século XV e XVI, a atitude do homem estava apoiada em uma crença de que havia uma vida intermediária entre a vida e a morte e que o homem tinha a possibilidade de passar por um julgamento no juízo final das suas boas e más ações.
     Dentro de nossa mentalidade cristã temos vários exemplos que perduram até os dias de hoje entre os povos cristãos. Os cemitérios estão próximos das igrejas, ou então são construídas pequenas capelas em seus interiores.
     A cerimônia fúnebre era realizada no circulo familiar e aberta a todos, tornando pública a dor da morte. Todas as disposições do funeral eram apresentadas no testamento do morto.
     Estando a morte relacionada à situações de medo e repressão, nos séculos XV e XVI não seria estranho associa-la à sexualidade reprimida pelos costumes medievais; talvez, isto explique a relação atual do homem com a peste do século XX: a AIDS. Nessa relação, percebe-se o mesmo medo da morte que é vista como castigo à liberação da sexualidade e do prazer.
     Com o progresso das ciências, a mentalidade do homem modifica-se e os cemitérios passam a ser vistos como fonte de contaminação e, por isso, são deslocados para fora do perímetro urbano. A família conduz o morto até a igreja, cabendo aos religiosos, pobres e às carpideiras ( mulher mercenária que pranteava os mortos) chorarem e enterrarem o morto.
     O período de luto oscila entre uma dicotomia em que a dor tem que ser expressa e contida ao mesmo tempo.
     No século XX, a concepção da morte sofre uma nova transformação, com a ruptura da repressão e da dor pra uma manifestação exagerada e espontânea, com desmaios, jejuns e histerias.
     Os cemitérios retornam às cidades, mas com uma conotação diferente: a individualização dos túmulos.
     A literatura dessa época colabora para tornar a morte romântica dificultando a sua aceitação.
No século XX, com o avançar das ciências e dos meios de comunicação, a verdade passa a ser um “estorvo” e a morte se esconde, oculta-se o desfecho final do doente terminal.
A morte, que sempre foi um fato social e público e provocava uma modificação profunda. Hoje torna-se banal e anônima. Aos primeiros sintomas de enfermidade grave o doente é internado. Atualmente, a maioria das mortes acontecem nos hospitais e não em casa e é encarada com um fato normal; as crianças proibidas de freqüentar os hospitais são afastadas da morte e de sua compreensão.
A morte passa a ser encarada quase como uma doença e cultuada nos velórios, torna-se então, um negócio rendoso ficando a cargo das funerárias. Tudo se faz numa tentativa inútil de disfarça-la; os funerais tornam-se mais sofisticados, aparecendo jardins, crematórios, prédios e em alguns até restaurantes.
Hoje, o homem trata a morte com requinte, na tentativa de disfarçar a sua dificuldade afetiva e psicológica de lidar com situações de luto.

3-     As fases da morte e do morrer


Ao defrontar-me com a fragilidade de existência humana, durante uma experiência de trabalho com hansenianos dos sanatórios de Minas Gerais, tive a felicidade de conhecer e vivenciar a verdadeira essência da vida. Junto aqueles homens desamados, cheios de dores físicas, morais e psicológicas, aprendi a maior de todas as lições: - a vida é a maior de todas as dádivas do Planeta Terra, daí a luta do ser humano para preserva-a e protege-la contra as possíveis intempéries.
Essa reflexão serviu de ponto de partida para minhas pesquisas. Durante muito tempo, li e observei a atitude do homem perante a vida e a morte. Neste trabalho junto minhas experiências e teço um comentário sobre as Fases do Morrer elaboradas pela pesquisadora Elisabeth Kubler – Ross.
Segundo esta estudiosa, o processo do morrer envolve cinco fases.
Analisemos agora, separadamente, cada um dos estágios.


3.1 – Primeiro Estágio – A negação e o isolamento
“Quando eu morrer não quero choro
Nem vela, etc...
...só quero choro de flauta,
Violão e cavaquinho.”
                   Noel Rosa
Quase todos os pacientes terminais passam pela experiência da negação e isolamento, principalmente aqueles que recebem a comunicação do diagnóstico de forma inesperada.
Segundo Kubler – Ross, a maioria destes pacientes, ao tomar conhecimento da gravidade de sua doença, reagem com frases similares a esta: “Não, eu não; não pode ser verdade”. Esta reação denunciadora da negação e espanto diante da fragilidade da vida, também foi por mim constatada quando do meu trabalho com hansenianos.
A enfermidade destes indivíduos provoca nos familiares sentimentos de medo e repulsa, que os levam a considerar os doentes como seres socialmente mortos. O paciente abandona a própria família, deixa a sua identidade para não marcar os que ficaram para trás (seus parentes, amigos...). No anonimato, caminha em busca de novos laços e vínculos junto aqueles que comungam o mesmo destino. Em seu viver, emaranham-se sentimentos de saudades, dor e amor.
Alguns hansenianos assistem à lenta degradação de partes do seu corpo num luto duplo: pela perda da saúde e dos familiares; fato este que juntamente com a dificuldade de aceitar o novo ambiente social e compreender a sua realidade psicológica, leva- os a uma atitude de negação em face de sua doença.
Considerando a morte como desprendimento definitivo da ação e a ruptura final com as relações do mundo, o portador de hanseníase também se vê desligado do seu mundo familiar e social.
Com mínimas possibilidades de construir novos vínculos, ele se liga aqueles que foram “premiados” pelo mesmo destino e assim tornam-se para seus familiares um vivo com identidade de morto e vive um mundo feito de fantasias e saudades.
Nessa fase de negação, o paciente tende a falar de seus problemas, sofrimentos e mesmo da própria morte como situações alheias à sua vida.
“A morte que para nós existe visível é a do outro, e nós, homens, somos eternos inconformados, pois o que nós não podemos conceber é não ter memória de nossa morte... Passamos a vida inteira nos preparando para a nossa morte, e quando ela vem, não podemos assisti-la.
Essa idéia parece ser transmitida quase que inconscientemente, de geração em geração.
Quando a criança perde um dos seus progenitores através da morte, o esclarecimento sobre o desaparecimento da figura materna ou paterna é quase sempre explicado com as seguintes frases: “Papai do céu o levou”, “Ele foi viajar, mas deve voltar logo”, ou “Ele está dormindo um profundo sono e vai demorar para acordar”. Ao bloquearem esta caminhada para a compreensão do conceito de morte, os adultos a obrigam a criar máscaras e mais máscaras, que irão ser usadas para cobrir uma realidade que estes mesmos adultos tiveram, numa determinada época de suas vidas, sido obrigados a esconder em situações semelhantes. Ao lidar com acontecimentos traumáticos, o homem serve-se de mecanismo vários, sendo a negação um das defesas que lhe permite proteger-se contra a dor, a angústia, a perda e sentimentos correlatos.
Diante da morte de alguém querido, é possível refletir sobre a vida e as desgraças ocorridas com aquele que faleceu e a partir daí imaginar-se em condição semelhante, como se nos fosse mostrando um filme em que atores diferentes representam uma mesma situação: a dor, o sofrimento e a morte.
Contudo, é impossível refletir sobre a própria morte porque a reflexão causa um encontro do consciente com o inconsciente, provocando sentimentos de medo, detonando então o processo da negação, o qual funciona como um mecanismo de alivio, impedindo o encontro com a realidade
Segundo Freud todo medo é, em última instância, o medo da morte; e é endossado por Carlos Drumond de Andrade:
“... Cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
O doente terminal vive esta fase de medo e incerteza sobre o seu destino, entregue ás mãos do invisível e intocável mistério da morte.


3.2 – Segundo Estágio – Raiva

“As angústias mais cerradas
Deixam sempre uma clareira iluminada
Por uma réstia de esperança.
Coelho Neto 
Geralmente, quando a fase da negação não pode mais ser mantida pelo paciente terminal, em seu lugar entra uma outra fase: a raiva. Nessa fase, o paciente se vê diante de inúmeros questionamentos, sempre carregados de muitos sentimentos de raiva e de angústia contra si mesmo, seus familiares e o ambiente que o envolve. Nada lhe agrada, nem Deus escapa de sua raiva. O doente sente-se abandonado e é invadido por sentimento de inveja em relação à Saúde do outro.
São comuns, nesta fase, expressões como estas: “Não é justo que isso aconteça comigo”, “Deus deve estar me odiando, não acredito no seu amor”, “Deus não existe, se existisse eu não estaria sofrendo, “por que esta doença não acontece para fulano ou beltrano?
No meu trabalho com hansenianos, recordo-me de um Sr. que estava gravemente enfermo e recusava terminantemente qualquer tipo de ajuda. Suas palavras eram de muito medo e angústia: “não quero morrer”, “Isso que está me acontecendo é um castigo dos mais cruéis que existem “, “ Eu não acredito em nada”.
O paciente terminal passa por um processo de isolamento e fechado em si mesmo projeta sua raiva em todas as direções.
Pensamentos contrários vêem à tona, como por exemplo, o fato de desejar a presença de alguém que lhe minimize a solidão mas ao mesmo tempo, ao perceber a incompreensão das pessoas, quere-las longe de si.
A desconfiança parece predominar no ânimo das pessoas que atravessam esta fase. O médico torna-se um “incompetente” porque não consegue resolver o problema. A família também é alvo de ataques e agressões.
Sendo a reação da família de choro e descontrole, a mágoa e a raiva do paciente aumentam e se confundem com sentimentos de perda, culpa e humilhação.
Confusos e cheios de dores, enfermo e familiares vivem um intricado de emoções que não permite a comunicação e a compreensão mútuas. É selado, então, um pacto de silêncio e solidão.
Tolstoi nos mostra, com clareza, semelhante fato em seu livro “ A Morte de Ivan Ilitch”: “ Sofria porque se negavam a admitir o que já sabiam, todos e ele também, embora procurassem esconder-lhe tudo sobre a sua terrível situação, obrigando-o participar da farsa. A dissimulação, esse clima de falsidade com que o cercavam às vésperas da morte, a falácia que terminaria por aviltrar o instante grandioso e solene da morte, ao nível de suas visitas, dos seus cortinados e do esturjão para o jantar... essa ficção tornava-se, para Ivam Tlitch um suplício insuportável.
A atitude mais adequada e aconselhável seria colocar-se disponível para ouvir e conversar com o doente sobre suas dificuldades.
A serenidade é um precioso dom, que pode confortar bastante o doente.

3.3- Terceiro Estágio – Barganha
“O homem tem direito à sua morte
Como tem direito à sua vida.
Morrer é um processo humanamente
Tão importante quanto nascer e viver”.

J. Moltam
Na fase da barganha, o doente consegue refazer as suas forças egóicas, mais calmo do susto, ele agora encontra força e coragem para lutar. Não importam mais os sentimentos de ódio, de distanciamento. Se não há como reverter a situação, o melhor então, é fazer pactos de amor. E é assim que o doente terminal busca desesperadamente fazer trocas, muitas vezes consigo mesmo:
“Prometo que se conseguir recuperar a saúde perdida vou aquela romaria e andarei descalço até o altar de Nossa Senhor”; “Vou mandar rezar uma missa”; “Prometo mudar de vida se conseguir essa graça”; “Não vou mais comer carne às sextas-feiras”.
Essa barganha se estende sobretudo a Deus, mesmo que a pessoas nunca tenha acreditado em Deus ou falado com Ele. Nessa fase da vida, o que vale mais é a recuperação da saúde e, para resgata-la vale jogar todas as cartas que se têm em mãos, mesmo aquelas que, quando forte e cheio de vida, não eram utilizadas por causa do preconceito.
É bastante comum, o paciente negociar com o médico cobrando-lhe uma eficiência incondicional, no sentido de lhe atribuir uma confiança muito semelhante à que se teria somente um “Deus”. Às vezes é exigido do profissional quase que um milagre diante da fragilidade da vida.
Psicologicamente, as promessas podem estar associadas à uma culpa recôndita. Portanto, é importante neste momento, que o paciente encontre um clima de confiança, sinta-se acolhido, compreendido e amado para poder expor suas dificuldades sem medo de ser criticado.
Nas minhas vivências com hansenianos observei que essa fase não é vivida unicamente por pacientes terminais, mas está presente nas facetas da vida do homem. E para perceber, basta olhar para uma criança que deseja ardentemente brincar com seu amiguinho, caso a mão não deixe ela faz mil e uma barganhas: “Olha, eu estudo depois”; Prometo que vou ser boazinha...”.
Relato aqui, um caso, vivenciado por mim quando trabalhava num hospital psiquiátrico junto à equipe de terapeutas ocupacionais e psicólogos.
Por ocasião do Natal, enquanto preparava os enfeites natalinos junto com os pacientes, um deles me contou numa conversa amiga, da sua dificuldade de conviver com o vício do álcool e do desejo de conseguir libertar-se.
Seu ego parecia estar enfraquecido. Sentia intensa angústia e sentimento de culpa pelos dissabores causados à sua família: “ Eu não consigo ficar em casa mais que oito dias e se fico, às vezes chego até a bater no meu pai; tenho muito remorso, mas não consigo mudar. Estou dependente do álcool e das drogas” (medicação usada contra o delírio do álcool).
Durante a conversa, ele se emocionou, falou de sua vontade ferrenha de alcançar um novo modo de viver. Chorando muito, lembrou-se da sua Nossa Senhora, da fé que tinha nela:
- “Não consigo mudar de vida porque sou fraco, mas com ajuda de minha Nossa Senhor eu consigo. Você não acha?
Tentei mostrar-lhe que a força estava dentro dele mesmo e ele concluiu que só Nossa Senhora podia ajuda-lo a vencer.
Após cinco anos, encontrei-o na rua dizendo que graças à ajuda de Nossa Senhora e da nossa conversa, tinha se curado do vício.
Prometeu-me uma imagem da santa que havia-lhe ajudado a encontrar uma nova vida. Para mim, é perceptível a situação da barganha feita com a santa, ou seja, caso ela o ajudasse ele se comportaria de modo diferente.
Na vida, fazemos inúmeras barganhas tentando refazer os momentos desagradáveis que nos são reservados e o mesmo processo parece ocorrer com o paciente na fase terminal como uma tentativa de aliviar a sua dor física e amenizar os seus sofrimentos psicológicos e morais.

3.4 – Quarto Estágio – Depressão
“Saiba morrer o que o viver não soube”
Bocage
Nessa fase, o paciente terminal já elaborou grande parte de barganhas e busca o silêncio, a quietude, o encontro consigo mesmo.
Não há mais dúvida sobre o seu estado de saúde; ele não pensa na possibilidade de uma volta, seus sentimento são de desesperança e não há fantasias, desejos de cura de luta pela vida que se esvai.
O paciente vive intensos sentimentos de interiorização e sente que não tem como escapar, que apesar do medo e do silêncio ele está só e deve fazer a “passagem” sozinho porque é impossível alguém ajuda-lo nisso. É aqui que o homem penetra no desconhecido “mundo do além” sem deixar seque sua impressão adquirida durante a experiência na caminhada rumo a uma “outra forma de viver” , e isto se dá em razão de sua escassa e confusa comunicação.
Essa fase se caracteriza pelo silêncio e pelo isolamento. O paciente tende a um confronto consigo mesmo. Reavaliado suas vivências passadas, ele concluí que não é possível jogar com hipótese, porque há uma só certeza: o morrer. Não consegue mais alimentar qualquer esperança. Seus movimentos parecem tender a pequenos acertos, desejos de ver algum parente e se despedir.
Esconder a morte próxima  de uma pessoa desenganada seria negar a ela a certeza interior, que só poderá estar mascarada se também embotada estiver a sua espontaneidade.


3.5 – Quinto Estágio – Aceitação
“Já posso partir! Que meus irmãos se despeçam de mim!
Saudações a todos vocês; começo minha partida.
Devolvo aqui as chaves da porta e abro mão dos meus direitos na casa.
Palavras de bondade é o que peço a vocês, por ultimo.
Estivemos juntos tanto tempo, mas recebi mais do que pude dar.
Eis que o dia clareou e a lâmpada que iluminou o meu canto escuro se apagou.
A ordem chegou e estou pronto para minha viagem”.
Girtarjali, XCIII, Tagore
A aceitação é a última das cinco fases; o paciente vive uma obscura experiência diante de si próprio e daqueles que assistem à sua “passagem” desse mundo para o outro lado da vida.
O enfermo sente-se como a personagem de Tolstoi em “ A morte de Ivam Ilitch”. “Sozinho, Ivan Ilitch sente que sua vida está se deteriorando e, consequentemente , envenenado a vida dos demais e que esse veneno penetra cada vez mais fundo no seu ser”.
A relação entre o doente e familiares quase sempre é desfeita pela angústia e pelo medo do confronto com o desconhecido. Todos parecem temer a morte, dominados pelo luto da separação.
A possibilidade de acreditar na esperança, os desejos de barganha e os mecanismos de apoio, a raiva e a depressão, esvaem-se lentamente junto com as forças físicas e mentais. A existência desses elementos em grau menor, torna o ego e os movimentos do paciente como que diminuído e isto, parece ser um das características do processo de aceitação.
A aceitação, no entanto, não é passiva, vem acompanhada da necessidade do silêncio, da tranqüilidade de um ambiente que favoreça a interiorização e a reflexão sobre vivências passadas.
A sociedade ocidental se relaciona com a morte através de situações de medo ou de dogmas religiosos e morais, de tal forma que uma reflexão pessoa em nível mais profundo, torna-se penosa e, por não se chegar a resposta definitivas, apresenta uma sensação de insegurança.
O doente nessa quinta fase, não escapa dessa situação e a mentira, a partir daí, torna-se uma das poucas opções de fuga.
Estamos tão acostumados a mentir que a afetividade nesse momento de despedida parece ser relegada a segundo plano e aqueles indivíduos que se “atreverem” a atravessar o nível superficial de sua relação com o morrer, pagarão por isso o preço da inquietação que lhe é automaticamente despertada quando da visualização da fragilidade humana e da fatalidade de sua finitude.



4- Pesquisa de Campo

4.1- Seleção de Amostra
A amostra da presente pesquisa foi extraída de uma população escolhida de 10 estudantes do curso supletivo do primeiro grau da 5ª série da Escola Maria Helena Rosa Barbosa e do relato de um jovem de 23 anos, solteiro , portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS, sendo presidiário por tráfico e consumo de drogas, no 2º distrito Policial de Franca.
A amostra ficou constituída de alunos de ambos os sexos, com idade variando entre 14 e 33 anos. O estado civil destes sujeitos também é variável.
A escolha da escola e do presídio deve-se ao apoio integral das respectivas direções que se mostraram plenamente favoráveis ao tipo de estudo, proporcionando assim, condições para uma satisfatória realização de todas as entrevistas e observações.

4.2- Instrumentação

Foram utilizados no estudo dois instrumentos: Coleta de dados através da técnica de entrevista fechada e a observação.

4.3 – Procedimentos

A aplicação das entrevistas deu-se em nível individual e em espaço isolado, de modo que se conseguisse um clima propício ao objetivo proposto.
Procurou-se obter dados que apresentassem o mínimo possível de interferência por parte do entrevistador e do ambiente.
Mediante as dificuldades encontradas nos diversos contatos com várias instituições de saúde pública e entidades afins, optou-se pelo desenvolvimento do trabalho em um presídio público. Neste local, foram realizadas observações em nível de contato direto com um presidiário, através de visitas semanais que se prolongaram por três meses.
Nos primeiros encontros, tanto com os estudantes quanto com o jovem, estabeleceu um contrato de trabalho através da explicação do objetivo de estudo a ser elaborado, para com isso, colher dos sujeitos disponibilidade ou não de participação na pesquisa.
Quando houver a percepção de que a entrevista provocou sentimentos não resolvidos no entrevistado, procurei encaminhar o caso à clinica.

4.4 – Analise dos dados
A hipótese da pesquisa foi assim formulada:
As cinco fases do morrer são vivenciadas por todos nós na situação de perda.
Reconhecendo que o ser humano, ao se defrontar com uma situação de perda, não escapa a vivência de uma “morte psicológica” Com algumas características semelhantes aqueles da fase terminal, pretendendo assim verificar como acontece este fenômeno.
A análise dos dados foi de natureza predominante qualitativa e foram abolidas generalização de quaisquer espécie, devido ao numero reduzido de sujeitos que compõem a amostra.
As reflexões propostas nesta análise também podem ser entendidas como ponto de partida para que outros estudos possam ser realizados, considerando-se a importância que essas questões têm para a vida do homem e para a formação do psicólogo, uma vez que sua especialidade quase sempre é trabalhar com o processo de luto e a dificuldade de aceitação.
Os dados mostraram que 07 dos sujeitos entrevistados vivenciaram perdas de familiares pelo processo da morte natural, ou seja, perderam um parente pela morte biológica e os 03 outros tiveram perdas relacionadas a rompimentos afetivos de ordem familiar. Podê-se perceber também, através das falas da maior parte destes a presença da fase de negação e isolamento, e em alguns momentos evidenciaram-se situações óbvias de perdas: “Eu pensava, porque isso tinha que acontecer, logo com ela; ela que era um pessoa amável, trabalhadora”; “Tentava acreditar que aquilo não estava acontecendo, que era tudo um pesadelo, que eu estava sonhando apenas...”; “Todos chorávamos, mas eu preferi isolar-me para não sentir saudades”; “Achava mais fácil não falar sobre ela”.
É provável  que as perdas levaram esses sujeitos a se perguntarem o porque da doença, do sofrimento e do luto. O fato de sentirem que não podiam mais continuar junto da pessoa amada parece lhes causar desconforto, desejo de isolamento e dificuldade de compreender a realidade da separação.
Essa situação de aspecto nebuloso e confuso tende à despertar as fases da raiva e barganha. Veja exemplos:
“Eu sentia raiva e estava brava com Deus porque estava tirando minha avó de mim”; Pensava, por que não existe um médico, um remédio para cura-la?”; “Cheguei a fazer promessa para Nossa Senhora Aparecida, prometi andar de joelhos num viaduto, oferecer flores acender velas caso ela melhorasse”; Pedi a Deus para encontrar outra pessoa como ela...”
Quase todas as falas sugerem sentimentos de inconformidade e raiva surgidas por causa da separação; nota-se um desejo de fazer trocas com “algo” para tentar evitar o acontecimento trágico, porém não sendo possível realizar essas mudanças , aparecem as fases da depressão e aceitação, caracterizadas como estas:      
“Achava que tudo que estava acontecendo passava”; Pensei que não adiantava ficar lamentando a sua partida”; “Isso tem que acontecer, ninguém vai ficar para semente”; “Não adianta chorar porque quem morre não volta”; Intensa angústia”; “Eu sentia um pedaço de minha vida indo embora e eu sem saber o que fazer dali para frente, como continuar a viver sem ela...”.
Percebe-se nos sujeitos muitos sentimentos opressores relacionados À dificuldade de compreender a fragilidade da vida e a importância de não se conseguir mudar o desfecho; mas a presença de sentimentos de culpa, desespero, raiva e desejo de estar no lugar do morto, para livra-lo da situação ou mesmo do momento de separação, parece estar em muitas falas dos entrevistados. Vejamos: “Desejava morrer em seu lugar para livrá-la da morte”; “Tinha vontade de morrer para ir ficar junto dela”; “Eu me sentia culpada...”.
Pode-s e observar, principalmente através dos relatos das entrevistas feitas, que a reação à perda de entes queridos e rompimentos de relacionamentos afetivos envolvem inúmeras formas de sentimentos que, a principio, são como se o individuo se sentisse anulado, vazio, mais isto tudo é aos poucos superado e amenizado gradativamente por gestos fraternos de pessoas amigas e de familiares íntimos.
Todos os dados acima expostos foram colhidos aleatoriamente de pessoas que experimentaram o sentimento de luto através da perda de entes queridos ou relações afetivas.
Relatarei agora, dados de um jovem portados da síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS e abortarei seus sentimentos de angústia, de negação e raiva diante de seu inevitável processo.



4.5 – Relato de uma experiência

Mateus, 23 anos, solteiro, filho mais novo do primeiro casamento de sua mãe.
Sua infância foi marcada por vários acontecimentos tristes, dentre os quais se destaca a presença de um pai ausente, alcoólatra e viciado em jogos.
O divórcio de seus pais deixou marcas que foram gravadas pela situação de penúria em que ficou sua mãe.
Mateus, aos 5 anos permanecia sob os cuidados de sua tia enquanto a mãe trabalhava. Esta tia custeava-lhe os estudos em uma escola de renome, até que sua mãe se casou novamente e ele teve que ir para Ribeirão Preto onde trabalhava na farmácia do padrasto.
Exemplo de bom aluno, foi eleito presidente do Centro Cívico Estudantil por quatro vezes consecutivas. Ao inicial os estudos do 2º grau em outro estabelecimento de ensino, Mateus conheceu o jogo de fliperama e fascinado pelo mesmo, perdeu o ano escolar.
Passando o tempo entre o serviço na farmácia, os chopinhos aos finais de tarde e o jogo, vinha para Franca visitar o pai e na convivência com os primos, aos 16 anos, experimentou a droga pela primeira vez, mas disse aos companheiros que já fazia uso dela.
Aos ideais de roqueiro metaleiro juntaram-se o desejo de lutar pela paz, amor, liberdade e justiça. Estes valores levaram-no a uma luta cujos instrumentos se resumiam em tatuagens e sentimentos de revolta.
Essa fase altruísta logo cederia lugar ao desencanto do fracasso ideológico. Drogas mais pesadas como maconha, começaram a ser utilizadas por Mateus como subterfúgios contra a tristeza da frustração.
Neste momento novos valores foram incorporados as canções de John Lennon e as idéias do “maluco beleza Raul Seixas” passaram a ser admiradas e serviriam como novos elementos norteadores.
As despesas para a manutenção ao vício exigiram que Mateus trabalhasse em vários locais e em funções diversas, não sendo necessárias ainda, atitudes anti-sociais como o roubo e o tráfico.
O uso da cocaína trouxe experiências traumáticas, sendo que as mais dolorosas parecem estar relacionadas à perda da moral frente à opinião pública.
Isto se deu quando este jovem teve sua foto publicada nas primeiras páginas dos jornais. A partir daí as oportunidades de emprego se anularam, agravaram-se os problemas de saúde ocasionados pela perda do controle da situação. Segundo suas próprias palavras: “ A cocaína acabou com tudo que eu tinha de belo, só não acabou com minha sede de viver”.
Na situação atual desse jovem, problemas objetivos como a dificuldade de se conseguir audiência com o juiz, a vontade de se obter benefícios que lhe permitam, enquanto presidiário, o exercício corporal e o tratamento ambulatorial, mesclam-se a conflitos de ordem psicológica, tais como a aspiração à paternidade, o medo de gerar um filho aidético, a insegurança na relação com a namorada e o constante sentimento de culpa. Tudo isso gera em Mateus uma profunda ambivalência que se manifesta em pensamentos dúbios e em incerteza, generalizada. Conforme sua fala, parafraseada de Raul Seixas: “A morte súbita segue os meus passos e em qualquer lugar ou esquina ela pode me pegar”. E completa: “Desde que nascemos só temos certeza de que vamos morrer a qualquer hora, mas não pensamos nisto... Talvez porque amemos mais a vida do que a morte.
Um forte instinto de vida parece sustenta Mateus a cada instante, mas às vezes duvida da validade do seu diagnóstico feito numa instituição de saúde pública e faz uma analogia com um outro exame que se submetera em uma empresa para fins de admissão no trabalho e cujo resultado foi negativo.
Pode-se  perceber neste momento a fase da negação – isolamento entrelaçada por sentimentos de culpa, depressão e mágoa por ser portador de vírus, estar na prisão e perceber que seu corpo está envelhecendo:
“Ás vezes olho no espelho e digo: Puxa era um jovem tão bonito, inteligente, e hoje estou ficando velho e acabando antes do tempo, mas sinto que não é por causa do vírus, mas porque o sofrimento acaba com a pessoa e a envelhece... “tem hora que eu queria ficar sozinho, isolado lá na “coruja” (solitário onde fica o preso rebelde)”, “Acontece tanta decepção que às vezes fica difícil acreditar que Deus existe”.
Para Mateus é importante que os jovens ouçam os conselhos dos pais  mesmo não acreditando nas suas atitudes, como também evitem a bebida, o cigarro e a droga: “Cuidem do corpo e da mente porque o que estou sofrendo  não desejo para ninguém”.
Nota-se que Mateus, embora estando “dividido”, ou seja, enfrentando sentimentos ambivalentes, estes são acalentados por lembranças boas de experiências passadas e pela sua enorme vontade de viver. Ele deixa transparecer que, apesar das adversidades busca uma força maior que o torna forte e suficiente para não desanimar e “batalhar pela vida”, ao ponto até de fazer-se útil aos que o rodeiam, oferecendo seus órgãos corporais para fins de transplantes ou estudo na USP de Ribeirão Preto.



III- Conclusão
O trabalho de Elisabeth Kubler Ross aconteceu em um espaço diferente do nosso, mas apesar disso, sou levada a crer que a hipótese por mim formulada de que as cinco fases do morrer são vivenciadas por todos nós na situação de perda, aplicando-se também dentro de nossa cultura.
Observei, através de pesquisas, que além dos sentimentos peculiares à cada fase, é comum também, reações envolvendo a culpa devido à impotência face à morte, como se aquele que ficou vivo. O discurso de alguns entrevistados deixa entrever uma vontade de se reatarem os laços já rompidos, num esforço de se fazer pelo ausente o que não se fez antes. Este desejo chega a aspirações extremas, como a de morrer no lugar, ou junto com o outro numa tentativa final de livrar-se da dor da separação.
Considerando que o processo de perda é inerente à vida humana, acredito que uma dentre as nossas escassas opções, seria a de estarmos sempre reavaliado a nossa relação com as pessoas e as coisas enquanto estas estão em convivência direta conosco, pois nem toda separação é reversível.
A idéia de elaboração deste trabalho partiu, dentre ou trás, da reflexão sobre a situação das pessoas envolvidas com a AIDS e por isso, retomo o assunto neste instante, para opinar a título de conclusão, que talvez faça-se necessário uma revisão em nossos comportamentos a fim de crescermos e auxiliarmos àqueles que já estão, sofrendo devido à esse mal e também aos que poderão no futuro, fazer parte do contingente das inúmeras vitimas que eventualmente aparecerão até que se obtenha uma medicação eficaz.
Seja qual for o motivo , o luto parece permear a vida de todos nós quando envolvidos em situações de perda, sejam estas de bens matérias ou , e principalmente, de relação afetivas de âmbito social (separação conjugal, interrupções de namoros, noivados, etc), bem como separações de entes queridos em fase de doença terminal ou até mesmo morte repentina. O homem não escapa a esta experiência, daí a sua necessidade do amor, esperança e confiança para trilhar o grande mistério da vida.




IV – ANEXO nº 1


Entrevista

1-              Você já perdeu “algo” que representasse grande importância em sua vida? Como foi?
2-              Quais foram seus sentimentos e pensamentos nessa fase de perda?
3-              Como foi a participação dos familiares e amigos ?
4-              No momento lhe passou pela mente o desejo de que outra pessoa poderia estar vivendo em seu lugar?
5-              Era mais fácil falar com as pessoas ou se isolar buscando o silêncio como forma de alivio?
6-              Você sentiu raiva?
7-              Nessa época lhe ocorreu o desejo de negociar ou fazer barganha com Deus?
8-              Fez promessa para tentar mudar essa situação?

V- Bibliografia
1- ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOLOGIA. Arq. Brás. Pisc. ...Rio de Janeiro, 1979. v . 31.

2- CASSORLA, Roosevelt M.S. – O que é suicídio... 2ªed. ... Brasiliense, 1984.

3- D’ASSUMPÇÃO, Evaldo Alves & BESSA, Gislaine Maria D’ Assumpção Heely Alves – Morte e suicídio. Um abordagem multidisciplinar. ... Petrópolis – Rio de Janeiro, Vozes, 1984.

4-     FREUD, Sigmund – Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. ... 1914 – 1916, Volume XIV.
5-     KALINA, Eduardo & KOVADLOFF, Santiago – As cerimônias da destruição. ... Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1983.
6-     KASTENBAU, Robert & AISENBERG, Ruth – Psicologia da morte. ... São Paulo, Novos Umbrais, 1983.
7-     KUBLER-ROSS, Elisabeth – AIDS – O desafio final. ... São Paulo, Best Seller, 1988.
8-     KUBLER-ROSS, Elisabeth – Sobre a morte e o morrer. ... Martins Fontes, 1969.
9-     PERAZZO, Sérgio – Descansem em paz os nosso mortos dentro de mim ( Sobre Psicodrama, diante e através da morte). ... 3ª ed. ... Francisco Alves, 1990.
10-SOUZA MARANHÃO, José Luiz de – O que é a morte. ... 2ª ed. ... São Paulo, Brasiliense, 1985.
11-TOLSTOI, Leão – A morte de Ivan Tleitch. ... Rio de Janeiro, Alhambra Ltda.